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domingo, janeiro 03, 2021

⁠O que é esse sentimento que não sei decifrar? Não... Magda Semprini

⁠O que é esse sentimento que não sei decifrar? Não havia sentido isso antes, querida amiga Penny. Era um desespero tão grande de não conseguir entrar naquele lugar onde estava os jovens dançando e se divertindo ao som de Forever Young e, eu então aos meus dezessete anos, correndo desesperada querendo estar sozinha, longe de todos. Para longe do fervo. Meio que fugindo de todos para estar só e me acalmar com as minhas complexidades. Como iria conseguir viver neste mundo cheio de gente? Como iria conseguir encarar uma sala de aula cheia de alunos para dar aula? Mas, consegui. Com medo, com insegurança, com as mãos frias, fui então, pela primeira vez, aos meus vinte quatro anos de idade, encarar uma sala de EJA, como profissional. Como professora. Me recordo que foi a mesma sensação que senti de quando subia os degraus da escola que estudava o terceiro colegial -cheio de gente correndo para as salas. Que pavor! Que pavor de tanta gente em uma mesma sala. Aquele ambiente me atormentava, só respirava fundo e rezava para que a sala não pegasse fogo, e sim, tinha a precaução de sentar na frente, não para ficar mais atenta ao professor, mas para sair correndo caso houvesse um incêndio. Nesses momentos conturbados de olhar nos olhos dos outros, de me relacionar com os outros e de não aceitar pessoas estranhas no Orkut, mesmo me recordando da face, pensava (e ainda penso em alguns momentos de minha vida) o quanto queria ser consolada no colo de minha avó, pois, bem me lembro que o meu desespero de entender o que era simples me agonizava. Por que coisas simples me agonizavam? Quando ia para as festas de aniversário e no final desses acontecimentos, as pessoas estouravam as bexigas, era um desespero tão grande dentro de mim, antes mesmo de ir para as festas, porque, sabia que no final iria ter aquele barulho das bexigas estourando – isso me perturbava a alma. Criava laços frouxos de amizades, e saia de perto, para sempre, quando por algum motivo achava que já era hora de voltar a ser e a caminhar só. Medo enorme de permanecer com alguém, de beijar alguém, de olhar nos olhos das pessoas, em ter amizades, por ser então, do jeito que sou. Quando me tornei assim? Sabia que era estranha. Dislexia? Um leve retardo mental? Acho que então comecei a me relacionar a distância, porque era mais fácil falar a distância, não ter ninguém perto de mim, mas que pudesse escutar a minha linguagem, os meus murmúrios, a minha reclamação, a minha chatice. A minha forma de expressão. Repetitiva. Repetitiva. Repetitiva. “Emotiva”. “Emotiva”. “Emotiva.” Não tinha muita paciência em brincar, não conseguia abstrair, porém, acreditava que poderiam existir sereias, e, ficava cantando na piscina um canto de sereia, inventado por mim mesma, para virar uma. Todos os dias, até que minha mãe resolveu me contar que isso era mentira, acho que meus cantos já a estavam apavorando. Não era mais diversão, era um trabalho, um empenho. Um super-foco, que mais tarde fora trocado em estudar História, depois em estudar Histologia e depois em estudar sobre Educação Especial. Fazia escolhas e não sabia ao certo entender o porquê, mas sabia que dessa maneira, meu cérebro, o meu corpo, minhas mãos, os meus dedos (como gosto dos meus indicadores e de anéis) estariam seguros e felizes - a minha maneira. Como já estava acostumada a ser a “diferentona”, não me preocupava muito que os meus comportamentos fossem do tipo, foda- se. Não tinha (hoje busco com muito esforço ter) filtros e a encarar as situações com descaso (hoje tento não ser assim). Me colocava como uma ilha, já que me sentia uma ilha, não sabia como lidar direito com o meu jeito Cooper de ser, porém não me faltava empatia. Humanidade. (Gostava e gosto da sensação de ensinar). Ah Penny, minha doce amiga, queria poder ter te contado tudo o que acontecia comigo; me recordo que esse meu jeito de ser fez com que certos “amigos”, vergonhosamente, futuros médicos, os quais o conheci lá no Paraguai, me fizessem crer que estava louca. Pensei que estava louca. Quis me internar, buscar uma clínica para saber que raios de loucura era essa que eu tinha (e que me acompanha) e que eu nunca consegui entender. Por que Penny? Infelizmente, você e nem o Leonard estavam lá para me explicar o que é o óbvio. Minha amiga, o que tenho? Ao longo da vida fui sendo rotulada como excêntrica (jeito diferente para sentar, de se mexer, de me comportar, de me vestir), como lésbica (por não estar acompanhada), como antissocial (por não estar com o grupo), como atrasada (por não acompanhar direito as coisas), como problemática (por não entender o que para muitos é o óbvio), como burra (sempre estava de recuperação, até aparecer a disciplina História), como possuída (pela ecolalia), como terrorista (por algumas vezes estar cansada de tudo e dizer as coisas sem ter aquele filtro). Me recordo da professora de Português, que se achava tão perfeita educadora, presenteava os “alunos brilhantes com livros”, confesso hoje que sentia inveja, porque, por mais que me esforçasse jamais iria ganhar dela um livro. Me recordo de uma aula que ela estava em choque ao insinuar para a classe “como pode alguém interpretar o verso posto que é chama, como se fosse um posto de gasolina”. Me gera muitos risos, mas, para mim fazia sentido; o posto a chama a gasolina; não me senti ridicularizada com a professora, mas, senti algo estranho quando ela dizia isso olhando para mim. Como se fosse algo errado, mas, para mim incompreendido. Com muita naturalidade, depois, a poesia entrou em minha vida, junto com a Linspector, e passei então a metaforar tudo o que podia; e isso realmente me fazia me sentir especial e diferente dos outros. Mas, como a personagem da metamorfose, seguia tentando saber quem eu era. Tinha e todavia tenho minhas crises de “cansaço mental”, naquele tempo só sabia que era diferente, não sabia o que tinha, achava que tudo era culpa de Brás Cubas, por o ter conhecido então com meus quatorze anos, achava que havia me tornado uma jovem e uma adulta cética e por muito tempo amaldiçoei Machado; mas um fato curioso, me deu esperança no meu desenvolvimento pessoal de autoconfiança; e veio da mais improvável pessoa, o professor de Trigonometria, do meu segundo colegial. Ele não falou diretamente para mim, falou para a turma em geral, que ele tinha um respeito profundo pelo o aluno que quase acabou com o papel da prova de tanto apagar e que isso estava muito além dele como professor para dimensionar a nota que o aluno deveria ter, porque, o aluno era muito mais merecedor do seu esforço e da sua obsessão em resolver o exercício – sabia que ele falava para mim, quando ele me entregou a prova ele me deu um sorriso e eu pude reconhecer aquela expressão “te respeito” o papel da minha prova estava então em quase estado de decomposição. “Coloque esses seus dedos no chão, menina”. “Anda direito menina”! Você está fazendo de propósito para andar assim?! Então, pedia para mim mesma: -não recolher os dedos na hora de caminhar. -Penny, você sabe que não fazia essas coisas de propósito. Né? (risos) “Essa menina está possuída, pare de repetir o que falo”. E estava lá, a pequena Sheldon Cooper, repetindo baixinho, tentando dialogar com o mundo, de alguma forma, tentava colocar para dentro da minha cabeça as palavras da mãe e da professora. Ecolalia até mesmo para receber uma bronca nunca foi de propósito, era uma forma desesperada de se comunicar com o mundo de enfiar as coisas na minha cabeça. Como os professores não podiam perceber isso? Eles brigavam para eu me calar, mas, só estava repetindo o que eles diziam e isso me era tão natural; brigava com o meu cérebro, não fale, não repita, isso não é certo. Quando jogava queimada, aos meus doze anos, minha falta de equilíbrio, fazia com que as meninas me zoassem e nunca me escolhessem para ser do time e, seria uma ofensa ser então amiga de qualquer uma delas. Da sala inteira. Não sabe ler, não sabe escrever, não sabe jogar. Não tem amigos, (bom, ao longo de minha jornada, fiz alguns, e os que fiz, e tenho até hoje no coração, são também “especiais”, meus querid@s que também sofriam certo preconceito por encarem desde de cedo as diferenças da sexualidade) e ser desse jeito que era e que sou não estava mais dando certo. Precisava mudar. Ao dormir rezava para Deus, pedia para ele me orientar, que não queria ser ruim. Queria ser boa. Queria ser aceita. Queria conseguir me amar. Quantas vezes me recordo de ter voltado para casa e de ter perguntado para minha mãe, por que eu sou desse jeito? -Porque é ruim! * O barulho me atormentava, o sinal para ir para o recreio me fazia pensar que iria morrer! Barulho estridente, barulho desgraçado, escola maldita! Vida maldita de bexigas que estouram! Será que os outros humanos também tinham os ouvidos de vidro? Durante tempos prossegui minha jornada, querida amiga Penny, sabendo ser diferente em diversos aspectos, então eis que me sinto abraçada por aquela turma de amigos tão especial, tão querida -uma pena não os ter conhecido ainda quando estava no Paraguai, pois, amigos especiais entendem as pessoas especiais e não criam falsas verdades sobre nossas peculiaridades extravasadas sem falsidade; por inocência mesmo aos vinte e cinco anos... O indiano com medo de falar perto de mulheres, o amigo judeu com a autoconfiança lá nas nuvens, e você, doce Penny, que tem todo o esporro da vida, e, ainda consegue demonstrar tanta doçura em seu jeito de lidar com as minhas peculiaridades saindo a flor da pele, obviamente que a vida lhe reservaria um companheiro tão fantástico e tão paciente quanto o doce Leonard, como seria bom para todos os que sofrem desse espectro maldito ter uma amiga tão doce como a Mel em sua vida; porque, nenhum humano quer ser só. * Espero que um dia as pessoas tornem-se mais humanas e tenham mais amor na própria humanidade e saibam a lidar com a inclusão. Hoje não é dia dois de abril, mas essas palavras saem como uma forma de alívio do meu coração. Sei o que não sou, não fui diagnosticada por profissionais, mas, sei que não me tornei assim. Digo isso pq minha irmã uma vez me perguntou qd me tornei assim, bem, ela nunca foi próxima a mim e suas palavras, já fazem um ano, ecoaram em minha cabeça. Quando ela olhou para mim e me viu como amiga? Respondo, agora, não me tornei assim. Sempre fui assim. Especial. Os déficits que o transtorno traz são diversos, principalmente, qd vivemos em um ambiente hostil e ser atípico é pensado como coisa de demente. Sua família tem vergonha de vc. Isso tudo pesa na cabeça. Minha vontade antes de levantar a hipótese do autismo era me internar em uma clínica, pedir para ser cuidada. Observada. Curada. Cansei de ser louca. E olha, que ainda aos quinze anos, queria ser mandada para o hospício -sabia que aquilo não tinha cura, meus neurônios eram peculiares. Mas, fui me adaptando a mim. Tendo fé em mim mesma. (Não quero mais sentir esse cansaço mental). Pauso. Choro. Diversas vezes. Vai passar! Não vai não. Mas, tá td bem. -Só não grite comigo, pois, a sensação que tenho é de bexigas que estouram.

via @notiun

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