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quinta-feira, novembro 06, 2014

"O resto de poema permanece intocado dentro de uma caixa de vidro no criado mudo. Eu fico mudo. Mudo...." November 06, 2014 at 02:51PM

“O resto de poema permanece intocado dentro de uma caixa de vidro no criado mudo. Eu fico mudo. Mudo. Muda mundo. Estou mudo e a surdez é minha amiga fiel, intragável ás vezes, mas fiel, sempre pronta para me dignificar, purificar, retificar. O silêncio ensina sobre a vida. Há silêncio em todas as vidas. Há silêncio agora. Escutem. Tic. Tac. Cliq. Clock. A hora está passando e eu preciso encontrar um sujeito no trem que vai passar fazendo com que as onomatopeias se encerrem sobre o meu papel. Há poesia nos silêncios e nas interjeições onomatopédicas também. Uma Maria fumaça, uma paisagem verde, uma grama curtinha ao som de uma estação de rádio ou com os fones tampando os ouvidos. É a velha surdez, a minha mudez, o meu silêncio. Os trens passam, eu ainda estou na estação. Quero pegar a rota, andar na cabine do maquinista, puxar os cordões, me sentir dono de si, dono do trem, do expresso que parece passar sobre o metal, fazer sons, ensinar a respirar. As paragens me ensinam a exprimir meus pensamentos pelo oxigênio que insisto em absorver pelos lábios e pelo nariz, admito, avantajado. Há poesia nos cheiros. Há, sempre há um resto de poeta dentro de vagões vagantes de trens passantes. Eles esperam para serem eternizados em alguma anotação de uma andarilho. Os poetas nômades não ficaram esquecidos junto com os menestréis. Apesar da aparência quase mesclada aos cenários das cabines e estações, carregam em suas bagagens tudo que lhes é passageiro, tendo em vista sua absoluta e extraordinária condição de ir. Recolhem e encerram nos ruídos dos olhos quietos, das mãos que tanto esperam, todos os versos que podem existir na imprecisão das horas que se desaceleram, no chacoalhar dos vagões, sob um céu azul lindíssimo que rasga as montanhas feito papel. E a poesia se declara, se vangloria, ela está em todas as frestas, no mesmo angulo obtuso da donzela ao inclinar a cabeça e observar atenta a postura frágil do poeta. A hora é esta. No tilintar dos vidros, o silêncio do peito grita me acordando de um sono profundo interno, só meu, ao ouvir o apito desesperançoso da chegada. E lá estou eu novamente na plataforma à espera do inusitado, chocado, com os tímpanos escancarados, pronto pra preencher a minha mudez lacônica que tanto me apraz. E dos pequenos degraus surge o sujeito que estava à espera, e finalmente a palavra se revela. Um passarinho voa do fio, a corrida da garota pros braços da mãe, o choro da saudade, o movimento da solidão e do nada um cenário desentrelaça no papel a poesia viva da vida. Na minha total absurdez arranco o poema da caixa de vidro que transparece cheio de som.”



- Theu Souza e Elisa Bartlett.


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