O Senhor - Certo dia, enquanto eu estava no sofá de casa, com aquela velha angústia das minhas manhãs, vi pelo portão um senhor parado na rua em frente. Percebi que estava perdido, pelos movimentos repetitivos da cabeça — que ficava de um lado para o outro, à procura de algo. Logo notei que era um senhor conhecido, inclusive por mim, que já o vira outras tantas vezes por aí, e, assim como a maioria, eu sabia que se tratava de um pobre dependente de álcool (ignorado como tantos ignorados), precisando de ajuda desde sempre na vida. Então eu desci e fui até ele. — O que deseja? — perguntei-lhe. — Ir para minha casa. — respondeu-me. — Onde o senhor mora? — questionei-lhe, mais uma vez. E após ele dizer o nome do bairro, eu o instrui para que, dessa vez, pudesse pegar o caminho correto até sua casa. Chamei-lhe e disse: Olha, o senhor vai direto, e na primeira esquina vira à esquerda até chegar à avenida principal — apontando-lhe o sentido com um dos braços. Ele, que havia perdido um dos pés das sandálias, assim o fez. E enquanto ele seguia, meio cambaleando, lentamente seu destino, eu voltei para minha casa, para minha vida, minhas angústias diárias. Minutos depois, outra vez sentado no sofá da sala, agora com uma xícara de café na mão, para minha surpresa (como num déjà vu), me aparece o mesmo senhor, no mesmo local, fazendo os mesmos gestos. Por um instante, pensei em descer e, outra vez ajudá-lo. Mas percebi que, independentemente do quanto demorara, ele já havia entendido a vida e seus labirintos íngremes e esburacados — mais cedo ou mais tarde, no seu tempo, tomaria o caminho de volta até sua casa — como o fizera tanta e tantas vezes. Eu é que nada sabia da vida, além da porta de casa, e era, de fato, quem mais estava perdido.
via @notiun
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